Monday, April 11, 2005

retrato

Preparava-se para dormir. Depois de enrolar mais um cigarro, certo de que este seria o último, David, procurava de comando na mão a companhia que este, depois de aceso, reclamava. Por entre as fumaças espaçadas que envolviam o feixe de luz que irrompia do televisor, reparava numa fotografia de Noah. Sabia que não o tinha feito espontaneamente. Já reparara nela na noite anterior. E na outra. De facto vinha a convencer-se de que vivia a sua união dividida entre aquela com quem se deitava todas as noites desde á nove anos á altura e uma outra, escondida por detrás da transparência de um rectângulo de vidro encaixado na moldura. Uma cuja óptica cansada de um posto de auto-retratos perdido algures no meio da cidade tinha, esses mesmos nove anos antes, eternizado para si. Uma cuja imagem se encerrava em si mesma e que não se tinha submetido a quase uma década de despertares, desapontamentos, concretizações, paixões,e a casos de orgulhos feridos mal curados. Uma que teimava em não despir o casaco de pele coçada ou de trocar as pulseiras que energicamente agitava no ar, e insistia no mesmíssimo sorriso virgem de sempre. A outra, deitada dormia no quarto ao lado, como na noite anterior. E na outra. Amor á primeira vista. Pelas duas.

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