Sunday, December 31, 2006













Lua

De pensar que estás mais alta, não tens medo
Por saber que estás mais longe ris baixinho
Mas a face que eu alcanço do meu ninho
É certo, tenho pena, morre cedo.


"Por mais que o Sol doire a face

Dos dias , o espaço mudo
Lembra-nos que isso é disfarce
E que é a noite que é tudo."
Fernando Pessoa
Cinderela

Olha, essa chuva voltou
Trouxe-a o Vento Sul
Sorte de estar onde estou
Pintei o tecto de azul

Não vá chover no molhado
Fecho no trinco a janela
Espero que tenhas cuidado
Quando vieres bater nela

Não tragas pedras na mão
Deixa-as junto ao teu castelo
Há-de querê-las um dia
Quem te chamar Cinderela.
Querido Pai Natal

Dá-me este ano um Ego
Que não seja impenetrável
Um desses de vulgar ferro
Porque este que carrego
Tornou-se Inoxidável

De estar tão resplandecente
Julgo ver-me nele ao espelho
Por ser frio não me mente
Pois tão nitidamente
Jaz no olhar o receio

Não me ofereças escudos
Armaduras Imperiais
Sonda-me os pedidos mudos
E não tragas em canudos
Os parcos restos mortais

Regista o que reclamo
Pois por pedir não fui achado
Sabes que é por ti que chamo
Mesmo sem gorro eu não te profano
Meu Pai Natal disfarçado.

Tuesday, December 12, 2006

Inverno

Do frio que corta à navalha
Do vento que o traz à cidade
Das ondas cheias onde encalha
Da água onde jaz a idade

O calor que de ti se esgueira
Neste Inverno reclama saudade
De um que ardeu na fogueira
No lume da nossa vaidade.

"Espero sempre por ti o dia inteiro,
Quando na praia sobe, de cinza e oiro
O nevoeiro
E há em todas as coisas o agoiro
De uma fantástica vinda"
Sophia de Mello Breyner

Saturday, November 04, 2006

Palco

Luz, camâra, acção...
E agora um enredo?
Actores em segunda mão
Fazem do sol o guião
Deixam no sal um segredo

Vem vê-los representar
De Sinbad, o marinheiro
Dividem em sete o mar
Para poderem contar
Nos sete o mundo inteiro

Ou no papel de ladrão
Onde denotam mestria
E sem roubar um tostão
Carteiristas de emoção
Das linhas de poesia

Cai o pano, ovação
É noite de casa cheia
Foi derrotado o vilão
A bela já veste o roupão
E vai-se embora a plateia

Ficam no palco os fantasmas
Mulheres, criados, crianças
Todas as almas penadas
Esperam p´ra ser encarnadas
E ao monstro deram esperanças

"Antes viver do que morrer no pasmo
Do nada que nos surge e nos devora
Do monstro que inventámos e que nos fita"
José Carlos Ary dos Santos, Soneto

Monday, October 23, 2006

Chuva

Talvez por te ter visto
De vestido pôr-do-sol
Deixei de correr o risco
E só visto
Capa azul de água mole

E esse chapéu sempre aberto
Caso te possas esquecer
Diz-me que a chuva anda perto
E é certo
Vem quando o sol se esconder

"A felicidade é como a pluma
Que o vento vai levando pelo ar
Voa tão leve, mas tem a vida breve
Precisa que haja vento sem parar
Tristeza, não tem fim.

Felicidade sim"
Vinícius de Moraes, A Felicidade

Wednesday, September 06, 2006

Tic Tac

Quiseram prender o tempo
Limitá-lo ao compasso
Dividir cada momento
À frieza de um traço

Mas o Tempo não são horas
Nem os segundos avulso
Quem quiser contar o tempo
Que o sinta no próprio pulso

Sei-te desde anteontem
Do canto de onde me vias
Mas só jurando me contem
Que já passaram dois dias

Quebro então ritmo imposto
Sinto em mim a melodia
O maestro no teu rosto
É festa da Poesia.

Monday, June 05, 2006

Silêncio

O Silêncio bate assim
Entre dois tempos fechado
Três quartos nascem em mim
O outro é procurado

Um nasceu antes do som
Por isso, por ser herdado
É-lhe concedido o dom
Dos três manter procurado

Há um que fala sozinho
Que congeminou um plano
"A quem faltou já carinho??"
Capitalista profano!

Por sorte morca cá outro
Hmm..."quarto seicentos e três"
Faz bom jus ao seu pelouro
E admite uma por mês

Diz na sua intimidade
Não sentir essa torpez
Que ainda está na idade
De ser barulho outra vez.

O outro?...Vive na cave.
Fere-o a luz do dia
Dizem ser de tenra idade
Que á noite vira Poesia.

Friday, April 21, 2006

Colorir

Gosto de ver o teu riso
Que me desmascara tão bem
Cai o pano, nasce o siso
Já o juízo...ai meu bem.

E há história colorida
Que pinto à entoação
Vens e ajudas á vida
Dás-lhe a segunda demão.

Já me tomaste o pulso
E quer eu queira quer não
A jeito pões-te a meu uso
E sem marcar posição

Sabes-me feito de nada
Troças desses baluartes
Que eu invoco de espada
De conquistar sete mares

Mas se acendes o lume
Se sopras ao coração
Sabes que aqui há ciúme
Que arde feito papelão.

Monday, March 27, 2006

"Sei que andas por aí,
oiço os teus passos em certas noites,
quando me esqueço e fecho as portas começas a raspar devagarinho,
ás vezes rosnas, posso mesmo jurar que já te ouvi a uivar,
cá em casa dizem que é o vento,
eu sei que és tu,
os cães também regressam,
sei muito bem que andas por aí."

Manuel Alegre
"Cão Como Nós"

Wednesday, March 08, 2006

Contar-te

Gostava que os assinasses
Estes poemas são teus
Relatos do que deixastes
Ver do que algum Deus te deu

Quem pendurou na parede
Ou imprimiu num postal
Um texto critica de Arte
D´uma obra prima brutal?

E projectar numa tela
Durante um´hora e tal
Um Rectângulo "quadrado"
D´um crítico de jornal?

Comer página de receita
De um doce desse Batel
Pode ter outra meleita
Do que saber a papel?

Assim, tu és quando estás
E "estar" tu fazes com Arte
Sei-te de trás prá frente
E escrevo só pra contar-te.

Tuesday, March 07, 2006

Olho de Mãe

Olho de Mãe tem brilho
Assim tem esse olho também
Olho de quem tem filho
O olho da tua mãe.

Tem um de mil Obrigados
Mas diz-lhe que sei eu bem
Que assim estão endividados
Dois olhos da minha Mãe.

Saturday, March 04, 2006

Desencontros

Onde é esse lugar
Bem marcado com um poste
À bandeira hastear
Onde vou porque tu foste

Explica-me sem mais rodeios
Dá-me um mapa,um caminho
Não me contes os anseios
Que eu descubro-os sozinho

Dá-me uma pista, um sinal
Dois dedos de orientação
Melhor que nada, afinal
Dois dedos da tua mão

Ficar parado é morrer
Mas andar sem ter um norte
Ás voltas andar sem querer
É de achar-te assim com sorte.

Thursday, February 09, 2006

Minuciosa Formiga

Minuciosa formiga
não tem que se lhe diga:
leva a sua palhinha
asinha, asinha

Assim devera eu ser
e não esta cigarra
que se põe a cantar
e me deita a perder

Assim devera eu ser
de patinhas no chão,
formiguinha ao trabalho
e ao tostão.

Assim devera eu ser
se não fora não querer.


Alexandre O´Neill

Thursday, February 02, 2006

Por agora, Eternidade.


Já cansado de partir
Foi voltando para ficar
Não tem inveja de quem
Parte só para viajar

E fica dia após dia
Sabe os tempos à maré
Pratica meteorologia
Sonda-a na ponta do pé

Quando já serviu de guia
A cada rocha que vê
Cheira a sabedoria
Estranha o mundo na TV

Ao entardecer na vida
Tendo dado tudo ao mar
Contempla-o todo o dia
E o que procura encontrar?

Espera uma recompensa,
De uma vida dedicada?
Será vício ou doença,
De não ter visto mais nada?

Tenho cá com convicção
Que é Sal que ele recebe
Mas que vem à prestação
E leve o tempo que leve

Há-de ter a sua parte
Que o conserve no fim
Sabe que o Mar é eterno
E então julga-se assim.

Thursday, January 26, 2006

All That Jazz

Sem lugar para improvisos
Foi estudada a lição
Com palavras, sem risos
Tens-me na palma da mão

E esse swing, o balanço
De quando é teu o teu espaço
Ver-te olhar para dentro
Ir e vir num compasso

Dá-me agora a nota cheia
Que como eu percebes
Que isto não é para durar

Sorte a tua, grão de areia
Que não por pedir recebes
Todos os dias o Mar

Friday, January 20, 2006

Consciência

Quão estranho é falar comigo
E assim tentar compreender
Ser meu próprio ombro amigo
Ter-me ensinado a Ler

Qual de nós é mais antigo
Ou, quem viu quem nascer?
Foste tu ou foi comigo
Que aprendeste a perder?

E porque te vais embora?
Partes mas deixas as malas
As que insistes vir buscar

E eu fico à espera da hora
Em que venhas buscá-las
Para não mais voltar.

Sunday, January 15, 2006



A três passos de tudo

Ensina-me a andar
Como quando eu não sabia
A cair, a levantar
A esquecer a poesia

Devolve-me outra vez o sono
Tudo o que em nós é primário
Deixa-me de mim não ser dono
Apaga-me o abecedário

Tira-me este cheiro imundo
Por cima sai com sabão
Mas como esfrego lá fundo
Onde não chego com a mão?

Lembro passagens de quando
O Universo encerrava
A três passos de tudo
A dois segundos de nada

Ou então não faças nada
Talvez fosse o que fazias
Ali, ficavas calada
Era assim que me perdias.

Sunday, January 08, 2006

La Vie en Rose

Foi o cenário escolhido?
Estava tudo planeado?
O guião, por quem lido?
O meu acto, juro, improvisado.

Viste como a circunstância
Foi afastada por nós?
E o que achas da distância
Chamas-lhe como eu "atroz"?

E a missão que eu trazia,
Como se tornou delicada
Pareceu-me ouvir Poesia
A subida virou escalada

Como ofegavas no fim..
Batias em contratempos
Sei que olhavas para mim
Nem que por curtos momentos

Tenho uma pauta à frente
Vou escrevê-la ao Piano
Quem diz que é universal mente
Tudo agora é Italiano.

Mas não paro por aqui
Vales mais que o que escrevo
Só agora encontrei
O de quatro, o meu trevo.

E se tens anéis nos dedos
É bom que os sacudas
Forcado triste sem medos
Não precisa de ajudas

Espero-te aqui bem cedo
Vem e traz os teus instantes
Junta aos meus o teu segredo
Pr'acabarmos e-migrantes.

Não te quero pra sentir
Quando sopram os meus levantes
Só quero aprender, a rir
Italiano para principiantes.